Companhias para um capuccino

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Paga-se a visita.

Ao acordar, em minha cama inflamavam faíscas de sol que escapavam ao quarto pelas frestas da janela. Em mim, uma quentura, sabe-se lá se do sol ou do corpo moreno que me acompanhava, quase que afogava os meus poros em suor. Decerto, era o sol.

Levantei-me cheio dos silêncios nos gestos para não acordar a mulher. Ainda assim, pouco demorou até que ela se levantasse, por si só ou pelo cheiro de café que impregnava toda a casa, e me acompanhasse à mesa.

Satisfeito com o desconhecido “bom dia” acompanhado dum beijo breve, saí para comprar cigarros. A mim, bastava; a ela, não sei. Nunca fiz conta de muito assunto. Talvez ela supusesse, pois não disse mais.

As ruas estavam muito quentes. Do chão, subia a fervura do concreto e o cheiro da gasolina dos carros que, mesclado aos perfumes baratos de uma ou outra mulher que cruzava o passo de meu trajeto, causava-me engulhos. Eu não gostava da cidade; também não gostava do calor que fazia lá.

- Bom dia, Zé. Me veja um maço de Marlboro vermelho.
- Cuidado com os câncer, rapaz!

Eu sempre comprava cigarros na venda do Zé, um senhor de sessenta e poucos anos que se ocupava em dar conselhos furados à sua meia dúzia de fregueses... É por isso que eu ficava só com os cigarros.

- Aqui está, Zé. Não carece de troco, não.

Saí da venda ainda com a sensação de que vomitaria na próxima fulana que passasse cheirando a prostituta ao meu lado; e apressei o passo para que não perdesse a bile.

Chegando, o barulho do chuveiro indicava que a minha prostituta ainda estava em casa. Eu sei que não é prudente apossar-se de uma, mas enquanto ela estivesse em minha casa, seria a minha prostituta.

Recostei-me na porta do banheiro e fiquei a espreitá-la.

- Há quanto tempo você está aí?
- Acabei de chegar.
- Quer entrar? A água está ótima!

O convite, pouco tentador para a ocasião, parecia agradá-la, pois seu tom de voz acompanhava um risinho frouxo... Não, ela não me levaria nem mais um centavo. Eu apenas sorri, puxando um cigarro do maço, e fui fumar na porta da cozinha, que dava no corredor.

Quando ela saiu já trocada, viu o seu pagamento debaixo de um guardanapo de papel com o número de meu telefone sobre a mesa; fitou-me, por alguns instantes; apanhou apenas o dinheiro e foi embora, assoviando Chicos e Caetanos.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Pedaço de mim

"...Oh, pedaço de mim!
Oh, metade amputada de mim,
leva o que há de ti,
que a saudade dói latejada;
e é assim como uma fisgada
num membro que já perdi..."

(Chico Buarque - Pedaço de mim)


Eu, que prometi ser deveras forte, chorei na concha de minhas mãos vazias ao constatar-te tão decididamente tua. Nada minha; toda tua - desde o corpo aveludado até as últimas trincas do coração fossificado. Estavas completa sem mim.

Sem sombra de receio, arrancaste de uma vez um braço ou perna deste desgraçado, maldita, unicamente, para conter-te inteiriça.

Sequer imaginaste que, ver-te sair pela porta da frente de nossa casa, portando não mais que as roupas do corpo, faria-me agonizar feito um aleijado. Pensavas só em tua posse doente de ti mesma. Louca!

Por fim, para o meu fim no leito, das tantas pragas e preces que poderia te rogar, bendita, eu, entrevado com as sobras de mim, desejo tão somente que faças bom proveito de ti.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O Tapete

Aos farrapos
ficaram os fiapos
do amor felpudo
que eu deixei à tua porta
num tapete de "boas vindas"
para que limpasses teus pés
sujando-me
quando entrasses ou saísses
de teu coração.