Companhias para um capuccino

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Noturno

Saía à noite para além do portão eletrônico de seu prédio, contornava o bairro feito locomotiva, carburando mudos cigarros, e, para cada passo torto que arriscava nas calçadas esburacadas, dava-se ao desfrute de ouvir meia dúzia de batidas do seu coração. Eram suas rotinas, os passos noturnos e os batimentos cardíacos, e não sabia qual delas era a mais espontânea. Talvez não fosse uma nem outra. Quem sabe fosse o silêncio?

Não sabia. Isso porque, no apartamento, costumava falar. Descosturava a boca e tapava os ouvidos. Discutia com os móveis sobre perspectiva, a mesma que as paredes de seu quarto compunham no teto, em sutil conspiração. A cada momento, uma forma, uma fôrma a lhe moldar o espaço, a insônia.

E mesmo se dormia, era um sono de cabeça para baixo, relutante, fracionado, sem sonhos. Motivos até havia para sonhar, guardava um amor, calava um amor, mas não sonhava.

O relógio batia.

A torneira pingava.

A estante rangia.

O seu gato miava.

E desse mal dormir, desse não sonhar, morria de vida em todas as noites.