Companhias para um capuccino

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Abrasileirado

Verde ou amarelo
no canteiro
de terra brasilis
cantava
o sabiá-laranjeira
duma verde bananeira
de maneira patriota

Ele era patriota

e morreu de patriota
que era.

Infeliz

por ver a verde nota
comprar amarelo alqueire
se ajuntou com os Sem Terra
pediu por reforma agrária
sem enxada
com a fé de brasileiro.

Ele era brasileiro

e morreu de brasileiro
que era.

Ensanguentado
do tiro certeiro
que a espingarda enferrujada
de um amarelo fazendeiro
disparara
sem trégua
para a verde bananeira.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Cada um dá o que pode.

Com barro, sangue e um panfleto de liquidação sobre as fuças, estava debruçado o desconhecido, em frente ao boteco do Mané Preto, na esquina da rua oito com a principal.

A comunidade já estava acostumada ao barro e a outros diversos incidentes causados pelos problemas de escoamento. Inclusive, o próprio Mané Preto, por conta do alagamento que ocorrera dias antes desse despacho, tinha perdido a geladeira nova que lhe acumulara dívida para mais de um ano.

O tal presunto é que era coisa fresca na favela.

Naquela segunda-feira, "dia de branco" - como reza a oração da burguesia -, pouco demorou para que toda gente da vizinhança se achegasse ao desgraçado.

E a lotação, que costumava sair do bairro abarrotada de marmiteiros, pedreiros, engraxates, bicheiros, cafetões, putas, diaristas e catadores de cobre, alumínio e papelão, levou só meia dúzia de mercenários - daqueles que não estampam qualquer consideração pelo próximo - sem fé no principal mandamento do Nosso Senhor Jesus Cristinho.

A maioria, comovida e indignada, ficou para prestar homenagem de muita reza e lágrima.

As beatas se prontificaram rapidamente. Esfregavam compulsivas os seus terços ensebados por entre os dedos, rezando decorados Padre-Nossos e Ave-Marias; o mutirão acompanhava.

De frente para a reza, nas banquetas do boteco, homens bebiam o defunto pela conta do Mané Preto, e conversavam a vida, e matavam a vida.

Cada um dos presentes, tão desgraçado quanto o indigente, colaborava com o que podia. Afinal, até mesmo o tal, que imóvel e debruçado nada fazia, colaborara morrendo.