Ao acordar, em minha cama inflamavam faíscas de sol que escapavam ao quarto pelas frestas da janela. Em mim, uma quentura, sabe-se lá se do sol ou do corpo moreno que me acompanhava, quase que afogava os meus poros em suor. Decerto, era o sol.
Levantei-me cheio dos silêncios nos gestos para não acordar a mulher. Ainda assim, pouco demorou até que ela se levantasse, por si só ou pelo cheiro de café que impregnava toda a casa, e me acompanhasse à mesa.
Satisfeito com o desconhecido “bom dia” acompanhado dum beijo breve, saí para comprar cigarros. A mim, bastava; a ela, não sei. Nunca fiz conta de muito assunto. Talvez ela supusesse, pois não disse mais.
As ruas estavam muito quentes. Do chão, subia a fervura do concreto e o cheiro da gasolina dos carros que, mesclado aos perfumes baratos de uma ou outra mulher que cruzava o passo de meu trajeto, causava-me engulhos. Eu não gostava da cidade; também não gostava do calor que fazia lá.
- Bom dia, Zé. Me veja um maço de Marlboro vermelho.
- Cuidado com os câncer, rapaz!
- Cuidado com os câncer, rapaz!
Eu sempre comprava cigarros na venda do Zé, um senhor de sessenta e poucos anos que se ocupava em dar conselhos furados à sua meia dúzia de fregueses... É por isso que eu ficava só com os cigarros.
- Aqui está, Zé. Não carece de troco, não.
Saí da venda ainda com a sensação de que vomitaria na próxima fulana que passasse cheirando a prostituta ao meu lado; e apressei o passo para que não perdesse a bile.
Chegando, o barulho do chuveiro indicava que a minha prostituta ainda estava em casa. Eu sei que não é prudente apossar-se de uma, mas enquanto ela estivesse em minha casa, seria a minha prostituta.
Recostei-me na porta do banheiro e fiquei a espreitá-la.
- Há quanto tempo você está aí?
- Acabei de chegar.
- Quer entrar? A água está ótima!
- Acabei de chegar.
- Quer entrar? A água está ótima!
O convite, pouco tentador para a ocasião, parecia agradá-la, pois seu tom de voz acompanhava um risinho frouxo... Não, ela não me levaria nem mais um centavo. Eu apenas sorri, puxando um cigarro do maço, e fui fumar na porta da cozinha, que dava no corredor.
Quando ela saiu já trocada, viu o seu pagamento debaixo de um guardanapo de papel com o número de meu telefone sobre a mesa; fitou-me, por alguns instantes; apanhou apenas o dinheiro e foi embora, assoviando Chicos e Caetanos.
5 comentários:
Obaaaa, um texto super diferente! Eu adorei! Bom sambista, bom cronista! Parabéns!
Redação?
Aham.
Que vertente diferente..interessante, mas o final merecia mais.Eu sempre espero mais...mais da escrita, mais das histórias e mais de vc óbvio.Talvez seja o meu mal, de geminiana, de quem gosta de histórias e de exigente mesmo.
beijos.=)
Putas, fumaças, perfumes... o que é de nós sem os sentidos?
Sorte o café sempre apresentar um mundo mais real...
cheio de fumaças de cotidiano, desilusões e dificuldades.
Depois do cigarro, tudo pronto pra mais um dia de labuta!
cadê?
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